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A importância do (re)conhecimento do negro e do seu gradiente de Cor

Antes da Cor é preciso o (re)conhecimento da Pele, das origens, história, ancestralidade, das raízes... significa ir além da Cor da Pele.

*Autor: Marcela Bonfim

A Cor negra dos escravos, desde o século XVI, vem sendo usada para delimitar espaços e papéis na sociedade brasileira. Sendo a Cor um fenômeno histórico, fruto da criação social, instrumento determinante quase sempre da “superioridade” ou “inferioridade”, muito utilizado em projetos autoritários de Poder, a pele negra passou a ser um conceito de inferioridade na sociedade. No Brasil essa inferiorização garantiu por mais de trezentos anos de escravidão a quase total desumanização do negro, condicionando-o a um mero fator de produção.

A invenção da Cor passou a ser o primeiro encontro do negro com ele mesmo. Do negro com o branco. Do negro com o escravagista. Do negro com os padrões estéticos. Do negro com seus papéis de negro - seja na novela ou nos porões dos navios negreiros - plasmados pela história. A Cor foi e ainda é o encontro mais explícito do negro com seus papéis na sociedade.

Os efeitos desse processo histórico - de hierarquização - baseado em critérios físicos, provocou ambiguidades e injustiças, além da permanente delimitação dos espaços socialmente representados por “Casas grandes & Senzalas” - até os dias atuais. Desde então, a imagem negativa do corpo negro tem se sobreposto à sua personalidade e, consequentemente, negado o seu direito à liberdade de ser humano ao nascer, crescer e envelhecer.

Por conta dos padrões escravagistas impostos à Cor, desde o século XVI até a contemporaneidade, em movimentos descontínuos, esses sujeitos racializados estão presos às condições de subalternização, ao mesmo tempo em que têm garantido privilégios à branquitude.

Se a história do Brasil nos ensinou a apreciar o café, nos ensinou também a rejeitar as mãos da colheita e do preparo da bebida que tornou o país num Estado industrial. Antes disso, a mão negra transformou o Brasil em um país.

Toda a potência que a imagem nos fornece como belo e seguro, nos distancia da Cor escura. A hegemonia da brancura foi estabelecida como padrão desde a alfabetização dos brasileiros até as mais diversas faixas salariais do mercado de trabalho no Brasil. A destruição da imagem do negro foi tanta que crianças já crescem julgando o bom e o mau pela Cor - inclusive quando se trata de seres humanos. Subjetivamente, essa história também é apresentada a elas como um modelo, a partir do qual passam a apreender os conceitos de Cor de forma seletiva e hierarquizada.

Assim a sociedade vem se desenvolvendo - em meio aos estigmas da imagem, com mais de 70% da população brasileira dividida entre entre pretos e pardos (autodeclarados por um mero fator de Cor) - e vivenciando um processo complexo de assunção e negação. Tudo isso por conta da maior estratégia institucional de auto-embranquecimento da população negra brasileira - chancelando o segundo processo de embranquecimento do Brasil.

Deixando de lado a história, o próprio DNA, isto é, a humanidade da pele. Isto é, a identidade dos povos negros no Brasil suplantada pelo estabelecimento de padrões embranquecidos de beleza - acentuados a partir do primeiro processo de embranquecimento com o início dos fluxos imigratórios do período pós abolição - que teve em seus desdobramentos a vitimização e marginalização do negro no campo da autoestima, do desenvolvimento e inserção social no Brasil.

Na dinâmica: o branco se configurou como sendo do bem. O preto do mal. O vermelho da menina. O azul do menino... O negro - somente - Cor. O pardo, antes negro, outra Cor. E o gradiente de Cores da pele negra - fruto da miscigenação - reduzido a um padrão social e limitado “de Cor”.

Falar do negro e do seu gradiente de Cor é referir-se a uma infinidade de tonalidades de Pele dentro de uma genética negra - que também compreende a miscigenação. É perceber e respeitar a identidade do negro, para além das considerações visuais. E sim pela suas raízes (i)migratórias. Uma vez que, dentro do contexto da negritude, existem n povos, todos vindos de diversas localidades, além das experiências com outras miscigenações. As diferenças da pele não podem ser reduzidas a uma mera categoria de Cor. Ainda mais dentro desse infinito gradiente que é a negritude brasileira.

Antes da Cor é preciso o (re)conhecimento da Pele, das origens, história, ancestralidade, das raízes... significa ir além da Cor da Pele. Significa discutir o DNA, a história, a trajetória, os diversos territórios de onde os negros vieram, para onde ele foi, e pra onde ele ainda vai, deixando como registro o seu maior símbolo de resistência: a Cor e seu infinito gradiente.

* Marcela Bonfim é fotógrafa ativista pela causa das populações negras e tradicionais. É idealizadora do projeto “(Re)conhecendo a Amazônia Negra: povos, costumes e influências negras na floresta”, projeto de fotografia no campo da antropologia visual - sobre a memória e o legado das populações negras amazônicas. Este artigo é parte do primeiro desdobramento do projeto (Gradiente Negro: da Pele à Cor).

Mais informações: www.amazonianegra.com


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